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mulher andando nua pela casa - drummond

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       MULHER ANDANDO NUA PELA CASA    Mulher andando nua pela casa    envolve a gente de tamanha paz   Não é nudez datada, provocante   É um andar vestida de nudez, inocência de irmã e copo d’água.    O corpo nem sequer é percebido pelo ritmo que o leva   Transitam curvas em estado de pureza, dando este nome à vida:   castidade   Pelos que fascinavam não perturbam   Seios, nádegas (tácito armistício)    repousam de guerra   Também eu repouso         [ drummond  -  o amor natural, ed record ]  . . . . .  .   .   .    . " andar vestida de nudez " : este é o verso que interessa. o resto não é novidade. a nudez vira um conceito. ela é algo de que se veste e isso provoca olhares do outro. o estado de pureza, destacado nos versos, dá ideia de que a figura feminina é intocável, talvez nem deste mundo... isso é abuso de clic...

destruição - carlos drummond

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  [ beatriz milhazes ]         DESTRUIÇÃO  Os amantes se amam cruelmente  e com se amarem tanto não se veem.  Um se beija no outro, refletido.  Dois amantes que são? Dois inimigos.   Amantes são meninos estragados  pelo mimo de amar: e não percebem  quanto se pulverizam no enlaçar-se,  e como o que era mundo volve a nada.  Nada, ninguém. Amor, puro fantasma  que os passeia de leve, assim a cobra  se imprime na lembrança de seu trilho.  E eles quedam mordidos para sempre.  Deixaram de existir, mas o existido  continua a doer eternamente.   . . . . .  .  .  .   .    . soneto de versos brancos, ou seja, não têm esquema de rima regular. aqui, o caráter lírico parece querer expor sua face melosa, mas não acontece. não é do estilo do poeta mineiro a plenitude da subjetividade. ainda bem. os termos ligados ao amor, aqui, chamam atenção: cobra, fantasma, inimigo...

praça

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                                                      [ pq das águas, campinas ] fui andar na praça e tropecei numa tranquilidade suspeita estava largada no banco, tomando sol sentei do lado; ela me olhou de canto:  “ demorou, hein? ” “ tava ocupado ”, respondi “ fazendo o quê? ” “ ansiedade recreativa .” ela riu. ruim a tranqulidade rir, mas deixei ela pontuou: “ isso daí cansa. tenta só existir por uns minutos .” fiz o teste respirei foi quase fácil — o que me assustou ainda mais

última aula novembro 2025

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          " viver é melhor que sonhar " (belchior)       " mesmo que eu mande em garrafas mensagens. .." (bosco)              " deixa a vida me levar " (pagodinho)                                                        [ cachoeira é simbólica nesse contexto -- adorei ]                                                           sim, terminei. desde 1986, lá no colégio graphos (s j do rio pardo), até aqui, 39 anos e xis meses dentro de escolas, entre campinas, valinhos, bragança paulista, mogi-mirim, mogi-gaçu, itapira, espírito santo do pinhal, mococa, americana e rio pardo. não nessa ordem. ufa.  a energia continua, acho, ...

fábula do livro falante

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  hoje, o livro nem me esperou levantar:  saltou da estante, sentou na ponta da mesa, soltou: “ vamos falar do que você está adiando? ” tinha um xicrona de café, na outra ponta da mesa, ela tremeu. fiz cara de quem procura açúcar e não acha. o livro riu — e livro que ri é pior do que gente que te conhece bem. " você escreve sobre todo mundo, menos de você. " afastei mais a xícara. tenho medo de virar best seller, logo no primeiro capítulo e ganhar o nobel, respondi, irônico. " precisa admitir que tem medo é do capítulo seguinte. " livros às vezes exageram, mas nunca mentem.

vestibular fuvest 2026 afronta geração que não lê

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  o exame vestibular da usp -- fuvest 2026 -- neste novembro, 2025, colocou diante de estudantes uma avaliação coerente, contudo, recheada de leituras longas, exigindo paciência, racionalidade e -- principalmente -- experiência de leitura para desvendar alternativa correta. havia, no exame de linguagens, comparações entre leituras ("opúsculo humanitário" e "memórias de martha", por exemplo), também ponderações sobre história da educação no século 19, visão de mundo do possível femininsmo da época, tudo dentro de textos, não em emojis ou memes. tomara eu esteja errado e todo mundo tenha adorado enunaciados longos, tomara. a segunda fase do vestibular da usp acontece neste dezembro e os livros continuarão aparecendo. aqui, não destaco apenas três, quatro enunciados longos, dentro da prova, mas a exigência também da leitura integral das obras sugeridas. livros como "opúsculo humanitário", "as meninas" ou "caminho de pedras" são leituras de...

maria bonita e a borboleta

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                     [maria de déa - 1910-38 - maria bonita, diferente das outras] hoje acordei com uma angústia do tamanho de um mosquito. inútil e inesquecível. aqui da minha bancada vejo, pela janela, bem-te-vis, pombo, gaviões e uma borboleta insolente no vai-e-vem da brisa, insistindo em viver solta sem rumo certo. maria bonita, do livro "uma história de amor e balas" (wagner), saiu da estante, me encarou, perguntando por que eu gostava tanto de fazer drama do lado de dentro da janela. é a borboleta, respondi. o que é que tem? -  continuou ela, passando o facão pra outra mão. ela voa parece que tá sem rumo, diferente das outras.  e por que isso dá angústia? eu queria ter esse luxo também.

modinha - beatriz milhazes

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  [ modinha, 2007 ] arte contemporânea. arte intensa. visual também. é tão intensa que dá pra ouvir.  é "modinha" o nome da obra. a ideia do nome nos remete a estilo musical, por aqui, pelos séculos 18, 19. impossível, não lembrar taiguara, em "se eu pudesse ser menino eu roubava essa rosa..." -- trecho de sua "modinha" (sergio bittencourt). mais versos revelam outra proximidade com a obra de beatriz:    E o meu verso em pedaços   Só querendo o teu perdão   Eu me perco nos teus passos   E me encontro na canção            [ s. bittencourt & taiguara ] olhem, o abstracionismo é a tônica da peça de beatriz e, lidos os versos da canção "modinha", é uma tentação ligá-los a esta "modinha" da artista. sim, os círculos podem remeter a flores, pensei nisso. flores em pedaços, versos em pedaços porque há alguma tristeza, uma necessidade de reconhecimento por parte da pessoa a quem se oferecem rosas. por isso que essa "modinha" d...

merda de artista

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  [ p manzoni, 1961 - 4,8 cm x 6,0 cm ] piero manzon i, italiano, nasceu em 1933 e faleceu em 63. é dele esta obra singular e escatológica: cocô em lata. merda que ele mesmo produziu, lá em 1961. foram cerca de 90 latinhas com este conteúdo cheio de signficado e odor. entre maio e junho de 2015, essa merda esteve em são paulo, no mam. eu não fui.  a arte contemporânea, quando entrava na segunda metade do século 20, produziu tanto polêmica quanto obras de arte. há quem não goste, eu entendo. há quem nem considere essa coisa uma arte. mas, justamente, na linha da obra "fonte" -- duchamp, 1917 -- manzoni faz o que faz. na verdade, todos fazemos, desde sempre, mas o italiano foi o primeiro que botou a coisa em latinhas para expor e vender. em 2016, uma dessas saiu por 276 mil euros. mais de um milhão de reais. cagada de ouro...  pois é... teve gente que já comprou. teve gente que comprou e abriu. teve quem nem precisasse abrir, porque, com o tempo, elas explodiam, dada a ques...

fase fálica

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  "fálico" é termo que veio do grego e, aqui, é o adjetivo para "falo", e significa pênis. objetos que sugerem o formato do  órgão genital masculino são símbolos fálicos... marcas de poder masculino, tóxico ou não; pode ser uma espada, bengala, a torre eiffel, uma caminhonete cabine dupla, guarda-chuva, caneta... muitas vezes, essa fase fálica... ah, deixa pra lá.

desejo que mata

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  [ fernando g - níquel náusea ] o desejo. de onde ele vem ? como vive? como se reproduz? aquilo que move. para descartes, séc 18, desejo é uma espécie de agitação da alma. como a definição de alma é algo por demais contraditório e quase lúdico, pulemos descartes.  mas o desejo é algo que nos incomoda porque geralmente o que se deseja pode estar longe, então entramos em crise de ansiedade. agora, quando o  desejado fica apenas na cabeça de quem deseja, daí vira artista.  e jeremias? o jeremias da tirinha desejava não desejar e por isso morreu? ou jeremias desejava morrer, então pediu para não ter desejos? é isso?

adeus, meus sonhos

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                                  ADEUS, MEUS SONHOS   _  Álvares de Azevedo (1831-52)    Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!    Não levo da existência uma saudade!    E tanta vida que meu peito enchia    Morreu na minha triste mocidade!    Misérrimo! votei meus pobres dias    À sina doida de um amor sem fruto...    E minh’alma na treva agora dorme    Como um olhar que a morte envolve em luto.      Que me resta, meu Deus?!... morra comigo    A estrela de meus cândidos amores,    Já que não levo no meu peito morto    Um punhado sequer de murchas flores!          Álvares de Azevedo, Lira dos vinte anos , séc 19      nota _     pranteio - choro     sina  -  destino; fado     cândido - pur...

discurso que isola pessoas

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                                               mariane santana, pensadora, é categórica na leitura de um discurso neoliberal que vem levando muita gente a uma situação complicada. compra-se a ideia, hoje, de que cuidando do corpo, dormindo tranquilo, tomando água e afins, a vida será melhor e haverá sucesso. o que está fora do discurso é o contexto social ligado à pessoa que quer encarar essa ideia de curar-se dos males existentes e os possíveis, apenas com movimentos físicos. olhem, é terrível. esse discurso neoliberal individualista faz determinada pessoa crer que se há desconforto -- no trabalho ou na mente -- ele seria responsabilidade da própria pessoa que não se cuidou bem. o tal discurso do auto-cuidado acima de qualquer coisa desconsidera, de fato, a condição social existente. desconsidera seu status, seu entorno. então, lentamente, silencia essa figura e faz c...

letra líquida - romance

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                                                       “ letra líquida "   é obra que mistura de ficção, crítica literária e referências culturais brasileiras em uma narrativa fluida e criativa . sim, eu consegui sintetizar o livro em um parágrafo curto. mas não é só isso.  ao longo das páginas, existem interações entre personagens fictícios e elementos da cultura literária e também da história do brasil. tudo isso cria cenário onde a literatura ganha vida -- de fato -- e se entrelaça com o cotidiano dos protagonistas. eles são três: gaspar, moema e o narrador. eles se envolvem ou são envolvidos pela indígena tupinambá. moema é personagem central. ela nasce de um livro brasileiro, lá no século 18, chamado "caramuru", do frei durão. pois que o enredo gira em torno desta moça tupinambá, figura enigmática e quase mitológica. existe, ...

mês de professor e professora ganharem parabéns

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  é outubro, aqui. pelas escolas, mês de ganhar algum parabéns, ganhar tapinha nas costas e um "vamo-que-vamo"... isso tudo sem menosprezar os remédios.  a classe trabalhista de professores é uma das mais desunidas do país, isso a gente sabe. educadores e educadoras se contentam, até aqui, em pular de prédio em prédio, para dar conta de jornadas exaustivas por semana, em troca de algo em torno de cinco salários mínimos. cinco ou quatro. não sei, mesmo, porque ainda há quem continue. em 2025, eu ainda sou um desses.  diante de estudantes, estou sempre na tentativa de deixar claro que educação não é informação, que aula não é descrição de fatos... enfim, está cada vez mais difícil. principalmente, no universo da classe média. essa juventude desenvolveu uma capacidade de se encapsular que é notável. ela é  filha das gentes que acreditam no fim dos sentimentos ruins e, por isso,  a ideia é não sofrer. então,  ninguém se expõe. e a vida segue, com estudantes em ...

isto não é um sonho

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                                                                         [ isto não é um sonho ]     sonhando acordado    fico tentando saber quem sou    um pensamento forma outro    esse outro forma outro    todos conseguem ir ao passado     fuçam, xeretam, resmungam    nenhum volta    então    mando um outro pensamento    buscar os que se perderam    daí eu durmo

iniciação - josé paulo paes

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        I N I C I A Ç Ã O Com os olhos tapados pelas minhas mãos, os dois seios de A. tremiam no antegozo e no horror da morte consentida.  De ventosas aferradas à popa transatlântica de B., eu conheci a fúria das borrascas e a combustão dos sóis.   Pelas coxas de C. tive ingresso à imêmore caverna onde o meu desejo ficou preso para sempre nas sombras da parede e no latejar do sangue, realidade última que cega e que ensurdece.             [ prosas seguidas de odes mínimas, j paulo paes ]    . . . . .  .  .  .   .   .    .                nota_               i mêmor e: sem memória texto com pretensão sensual e temperos poéticos. o orgasmo seria essa "morte consentida" ... o que chamavam na frança de "pequena morte", ou seja, o orgasmo era visto assim por franceses e francesas do mundo acadêmico. ...

a rosa das dores

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  carlos ferber foi meu aluno, tempos atrás. não me esqueço. corria o ano de 2008 e ele  estava atento, ouvindo breve comentário que eu fazia, em sala de aula, sobre "rosa", depois de lermos "primeiro motivo da rosa", poemeto singelo da não menos singela cecília meireles. estávamos lendo também "rosa do povo" (drummond) e já havíamos comentado "o nome da rosa" (eco), noutra oportunidade, daí o tema botânico e filosófico se fazer presente.  conversa vai conversa vem, ferber interfere para contar que a tal flor se mantém mais tempo sem murchar se colocarmos, no vaso com água, um comprimido de aspirina. fiquei pensando quais seriam as dores de uma rosa para que pudesse usufruir de renomado quitute.  cartola tinha dito que as rosas não falam, mas, pelo jeito, podem ter enxaqueca, daí aqueles espinhos todos, não sei. mas fica a dica do século, caso suas rosas reclamem de dor.

uns vendem, outros dão

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                                        [ a vendedora de amores, j. vien, séc 18 ] vem do século 18 a tela de joseph vien, "a vendedora de amores ", em que uma moça, humilde, ajoelha-se numa rica sala, diante de figura nobre e sua acompanhante. a singela vendedora tira de uma cesta um míni-bebê, pela asa, sob o olhar embaçado da provável compradora. não é um anjinho, vou avisando. trata-se de representação do filho de vênus, o cupido. o nome "amor", no plural, indica tudo. amor, cupido. olhem, o mercantilismo iria se transformar no capitalismo, já sabem e era importante marcar posição através daquilo que o dinheiro pudesse comprar. os amores, na cesta, são novos, gordinhos, parecem inofensivos. talvez sejam. a questão é o motivo que leva à compra. as figuras femininas, na cena, irão usar a compra juntas? comprarão um amor para cada uma?... é para presente?... fiquem à vontade. em francês...

prometeu devia parar de sangrar

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                                                               [ prometeu - nicolas adam, séc 17 ]          vem do grego este termo "prometeu" que significa "premonição". na mitologia, ele teria o poder de prever futuros. então, nesta  narrativa grega, prometeu é condenado a ficar acorrentado, acho que isso já se sabe.  um detalhe importante está no fato de que quem o acorrenta é vulcano -- seu irmão -- sob ordens de júpiter. por quê o castigo?  o titã prometeu, temendo que raça humana fosse dizimada, rouba parte do conhecimento do olimpo (matemática e arte) e entrega aos homens. isso garantiria uma suposta superioridade sobre os outros animais. no limite, podemos dizer que esse é o mito da criação do ser humano, concordam? agora, o que esse povo vem fazendo hoje com o conhecimento recebid...