O BAILE
          Esta
fingida alegria,
           Esta
ventura que mente,
          Que
será delas ao romper do dia?..
                               G Dias *
A
noite desce lenta e cheia de magia;
A
multidão febril do templo de alegria,
         Invade as vastas salas
O
mármore, o cristal, a sede e os esplendores,
Do
manacá despertam os mágicos olores,
         À languidez das falas.
Ao
rutilar das luzes as dálias desfalecem..
Roçando
o pó as vestes das virgens s'enegrecem.
           Enturva-se a brancura...
O
ar vacila tépido... a música divina
Semelha
o suspirar de uma harpa peregrina.
          E a hora da loucura!
Pela
janela aberta por onde o baile entorna
No
éter transparente a vaga tíbia e morna
           Do hálito ruidoso,
Da
vida as amarguras espreitam convulsivas
O
leve esvoaçar das frases fugitivas.
        O estremecer do gozo!...
E
tudo se inebria: o lampejar de um riso
Acende
n'alma a luz gentil do paraíso,
         Arranca a jura ardente!
E
mariposa incauta, em súbita vertigem,
Arroja-se
a mulher crestando o seio virgem
      Na pira incandescente!
Aqui,
na nitidez de um colo, a coma escura
S'espraia
em mil anéis, enlaça a fronte pura
          Auréola de rosas
Da
valsa ao giro insano, volita pelo espaço
Do
cinto estreito, aéreo, o delicado laço,
          As gases vaporosas.
Ali,
na meiga sombra indiferente a tudo,
Imerso
em doce cisma um colo de veludo
         Ondula deslumbrante:
Que
fogo oculto, ignoto, em suas fibras vaza
Vivido
ardor que faz tremer-Ihe a nívea asa
         De garça agonizante?!..
Além, meus olhos tímidos contemplam
                                                    [ com tristeza
As
penas da mulher dessa –  ave de beleza –
             Calcadas sem piedade!..
Esparsas
pelo solo as laceradas rendas
As
flores já sem viço.. abandonadas lendas
            Da louca mocidade!
A
festa chega ao termo; a harmonia expira:
A
luz na convulsão final langue se estira
            Pelo salão deserto
Há
pouco o doudejar da multidão festante,
Agora
– o empalidecer da chama vacilante,
           Ao rosicler incerto!
Depois
a razão fria contando instantes ledos
De
castos devaneios, de juramentos tredos
           Ouvidos sem receio...
Num
corpo languescido o espírito agitado.
Ea
febre da vigília ao doloroso estado
           Ligando vago anseio..
A
vida é isto: hoje cruel grilhão de ferro;
Talvez
d'ouro amanhã, mas sempre a dor, o erro,
            Aniquilando o gênio!
Passado
– áureo friso num mar de indiferença:
Presente
– eterna farsa universal, suspensa
            Do mundo no proscênio!
* trecho de "o baile" -- em “últimos cantos", gonçalves dias
notas_
olores - cheiros
incausa - sem cuidado
inebria - embriaga
ledos - alegres
proscênio - parte do palco de um teatro
. . . . . . . . . . .
a metáfora da mulher como mariposa é marcante: ela vê o brilho da festa e dos prazeres e se atira, mas é uma pira encandescente. deu ruim.

 
 
 
 
 
 
 
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