Mostrando postagens com marcador erótico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador erótico. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 29 de julho de 2025

asas que a gente não tem

 


           Não salto, mas sou carregada
           Por asas que a gente não tem
           A luz não me fulmina os olhos
          Nem vejo bem

             [ recanto escuro, caetano, séc 21 ]


nunca ouvi “recanto escuro” por inteiro.

mas só a voz de gal me fascina então tudo certo.
saber que posso ser carregado por asas que eu não tenho é ter certeza de que há o outro. ou algum outro. pronto. 
pode ser em pele, paina, pó ou no embalo da rede... 

nunca ouvi "recanto escuro" por inteiro. a sonoridade e o palavreado criam uma certa energia que procuro evitar. parte dela remete ao tempo da ditadura militar e à vida do compositor da canção, sim, mas não é só isso. nunca atravessei "recanto escuro" até o fim. é um defeito meu ou uma virtude. as imagens de gal são uma compensação, incluindo a capa do disco "índia" lá no século 20 que bem dialoga com "a criação do universo", tela do courbet, século 19. mas não sei se estão preparados para essa conversa. em sala de aula nunca expus o quadro. não sei se meu público não suportaria ou merecereria. nunca ouvi "recanto escuro" por inteiro.  "recanto..." é letra do caetano, então a gente ama e tudo fica oceânico, fica um grande mar e nessa gosma do amar é o gel em que escorrego pro fundo e um fundo conhecido mas hoje sem nome porque é bom não precisar dar nome às coisas nem ao desejo feito completado porque sem nome não há memória, então não se sofre se não há memória; sem nome não preciso desse jorro falso que misturo com sangue.

sábado, 12 de julho de 2025

a bunda - carlos drummond de andrade

 

[ vênus calipígia, séc II a.c ]

         A  BUNDA

   A bunda, que engraçada.
   Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

   Não lhe importa o que vai
   pela frente do corpo. A bunda basta-se.
   Existe algo mais? Talvez os seios.
  Ora — murmura a bunda — esses garotos
  ainda lhes falta muito que estudar.

  A bunda são duas luas gêmeas
  em rotundo meneio. Anda por si
  na cadência mimosa, no milagre
  de ser duas em uma, plenamente.
  A bunda se diverte
  por conta própria. E ama.
  Na cama agita-se. 

 Montanhas avolumam-se, descem.
 Ondas batendo

  numa praia infinita.

 Lá vai sorrindo a bunda. 

  Vai feliz
  na carícia de ser e balançar.
  Esferas harmoniosas sobre o caos.

  A bunda é a bunda,
  redunda.

      [ c. drummond de andrade, "amor natural", 1992 ]

  . . . . . .  .  .   .   .

drummond pediu que sua coletânea de poesias sensuais ou supostamente eróticas fossem publicadas depois de sua morte. e assim se fez.
aqui, é bunda sobre o caos. bunda montanha e sinuousa, a bunda não se desculpa. ela vai. porque 
a bunda é alegre, do ponto de vista do outro. 

bunda é sonoro plenoasmo. é onomatopeia de desejo, talvez.
para uma bunda platônica é preciso outra bem próxima

bunda não precisa explicação

bunda é

pedido de bunda não se nega

bunda é exploração do olhar

bun

   . . . . . .  .  .   .   .


                
           [ "psiquê reanimada pelo beijo de amor", canova, 1787-93 ]

               
          [ "centauro enlaçando uma ninfa”, tobias sergel, 1778 ]
 
 
   
                             
                    
                            [ "dircè" - bertolini, séc 19 ]
                  

                                   
                           [ "mercurio e psiquê", adriaen de vries, 1593 ]


domingo, 31 de maio de 2020

samaritana - olavo bilac - soneto


soneto decassílabo.
poeta faz paródia de uma passagem bíblica, em que jesus cristo, perto de um poço, pede água para uma moça de samaria, a samaritana. 

aqui, o apelo erótico toma a frente, na mensagem que é lírica.

repare que a mulher é marcada como diferente da original bíblica: ela é um contraste, diz o verso 9
o poeta, depois de beber da "fonte eterna" (eufemismo! metáfora boa!) se diz envenenado... e até arrependido... de tão bom que deve ter sido.
certeza.

                     .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .   .   .   .

SAMARITANA

Numa volta de estrada, em sede insana,
Vi-te. Ao lado, a frescura da cisterna.
E tinhas a expressão piedosa e terna,
Como na Bíblia, da Samaritana.
Deste-me de beber. Mas quanto engana,
Às vezes, a piedade, e a esmola inferna!
Deste-me de beber da fonte eterna,
De onde a torrente dos remorsos mana.
Com a água que me deste (que contraste
De ti para a mulher de Samaria!)
A boca e o coração me envenenaste:
Maior do que o da sede, este tormento,
Esta ânsia singular, esta agonia
Que é de saudade e de arrependimento!

Olavo Bilac

. . . . . . . . . .  .  .  .  .  .  .  .   .   .    .

saiba mais


destaques

o futuro era melhor antigamente - veríssimo

capa 49a edição - 1982 [ na foto: fraga e juska ] hoje, 2025, vou pela casa dos 60 pra 61 anos. é muito, se pensar no que vive um ser humano...

postagens mais vistas